quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Memorial

Quando recebi a tarefa de elaborar um memorial sobre minha vida, a princípio pensei que o trabalho tornar-se-ia tão somente o “memorial de mais uma Ligian”, nada diferente do de tantas outras pessoas comuns como eu; porém, em meio a tanta modéstia encetei as primeiras linhas do memorial que diminuiria tamanha sensatez...
Convido-lhes a acompanhar comigo tão saudosas recordações...
“-Crianças, leiam para a tia Nadir o que está escrito aqui, menos você, tudo bem Ligian?” – era assim o comando da professora da primeira série do então Colégio Estadual Hermes Fontes, durante as atividades de leitura da classe; e tudo isso porque eu era uma das únicas da sala que já sabia ler e escrever – imaginem vocês o quanto me sentia feliz por isso! Às vezes, meus coleguinhas pediam-me ajuda e eu sentia-me a “professora” podendo ajudá-los. Acho que nunca havia refletido sobre isso, mas talvez o meu amor pelo magistério tenha surgido lá na classe da tia Nadir... Um certo espírito de liderança sempre pareceu estar intrínseco de alguma forma em minha personalidade – lembro-me de quando, ainda na primeira série do primário, convidei uma amiguinha para ajudar-me a vender figurinhas, as quais eram recortadas das revistas “Nosso Amiguinho” que meu pai comprava para mim e minha irmã, a fim de angariar fundos para a compra de giz – instrumento indispensável para as “aulinhas” que realizávamos no quarto de visitas lá de casa. O detalhe - recordo-me entre risos, é que nosso comércio nunca lucrou muito e acabávamos gastando nossas economias com balinhas que eram repartidas entre nós duas. Nas homenagens escolares eu também marcava presença assiduamente: geralmente sobrava para mim a tarefa (que eu adorava) de recitar poemas ou declamar poesias...
O mundo mágico que a leitura nos propicia trouxe para minha infância momentos que ficaram verdadeiramente eternizados e meus pais sempre foram os facilitadores para que esse “mágico mundo” acontecesse; os clássicos infantis, os gibis da turma da Mônica, Monteiro Lobato, Ziraldo, os livros da Série Vaga-lume (Na Mira do Vampiro foi o meu primeiro), revistas... rolavam pelos quatro cantos da nossa simples casa e iam fazendo parte da minha educação e de meus irmãos sem que percebêssemos. É interessante que quando o conhecimento se dá de forma prazerosa, não nos damos conta do quanto estamos evoluindo intelectualmente; afirmo isso porque durante toda a minha vida escolar recebi pequenas gratificações e medalhas por ter boas notas, no entanto, nunca consegui me sentir a melhor ou uma das melhores nas coisas que fazia. Acredito que este seja um dos únicos “defeitos” que a leitura nos proporciona: a sensação de nunca ter lido e saber o suficiente! Que bom!
Deixando de lado algumas minúcias, passo a recordar-me da época em que comecei a ter contato com o mundo literário um pouquinho mais de perto. No início achava meio sem sentido minha professora de Literatura do ensino médio falar de “escolas literárias”, um termo que passei a entender somente depois de ter lido alguns dos maravilhosos clássicos da nossa literatura já na faculdade de Letras, afinal, sabemos que nenhuma teoria pode ser facilmente compreendida sem a prática. Como de tudo sempre procurei tirar proveito, não seria diferente com minhas aulas de literatura do ensino médio – o meu segundo grau, apesar de ter sempre apreciado o trabalho dos meus saudosos mestres, percebi que antes de decorar as características do movimento, mais importante ainda e com certeza mais deslumbrante é descobri-las sozinhos através da leitura de nosso Cruz e Souza, José de Alencar, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade e tantos outros poetas que nos permitem viajar em mundos diferentes e ao mesmo tempo sublimes.
No ano de 2000, iniciei a faculdade que me formaria professora; não mais aquela de faz de conta que ajudava os coleguinhas da primeira série nas atividades ou a professora do quarto de visitas lá de casa, e sim veridicamente um “instrumento facilitador do conhecimento”. Hoje, apesar de todas as dificuldades da nossa profissão, sinto-me realizada pelo que o magistério me proporciona: a troca de conhecimentos e o contato diário com tudo aquilo que maravilhosamente fez parte do meu processo educacional é muito gratificante. Não apenas como professora, mas também como mãe, procuro seguir o exemplo dos meus sábios pais; os livrinhos são os “brinquedos preferidos” da minha filha de um ano e oito meses, que já pede por historinhas antes de dormir. Através dela consigo confirmar o que já sabia: a leitura acontece de forma prazerosa quando não é feita somente por obrigação; a velha técnica de meus pais em espalhar bons livros pela casa, assim como aguçou minha curiosidade por lê-los, continua tendo o mesmo efeito com minha filha.
E é assim que a magia da leitura e do conhecimento continua encantando a minha vida! Exatamente daquela forma “defeituosa”, com a sensação de nunca ter lido e aprendido o suficiente. Que o Gestar II, possa suprir então mais uma das minhas necessidades!

Ligian A. Tenfen Schreiber

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